Por Fernando Perlatto*

A coluna “Escuta Recomenda” é publicada aos domingos, assinada por um dos editores da revista, Fernando Perlatto, com sugestões de leituras de textos de política e de cultura, publicados na imprensa ao longo da semana.

Política

* Bolsonaro, a retórica radicalizada e os 30%: Vários artigos foram publicados na imprensa ao longo da semana buscando analisar a radicalização do discurso de Bolsonaro nos últimos dias. Apesar das diferenças, parte significativa deles destaca a busca por parte do presidente no sentido de consolidar os 30% do eleitorado que lhe dão sustentação. Em artigo publicado na Folha, na segunda, intitulado “Bolsonaro radicaliza”, Celso Rocha de Barros ressaltou: “Aos poucos, o bolsonarismo vai se tornando um nicho, que o presidente luta para que se mantenha do tamanho atual, de cerca de 30% do eleitorado”. Maria Hermínia Tavares de Almeida, em artigo publicado na Folha, na quinta, também destacou a importância da consolidação deste eleitorado, tendo-se em vista as próximas disputas eleitorais: “Focalizando apenas o núcleo inicial dos adeptos do capitão, constituído por homens brancos de renda alta, ou o grupo mais amplo que hoje forma a sua base de apoio, a extrema direita é minoria. Minoria, porém considerável, que parece ter vindo para ficar e é suficiente para levar seu candidato ao segundo turno em 2022. Seja ele o próprio Bolsonaro ou outro ‘mito’ qualquer”.

A retórica radical, belicosa e preconceituosa de Bolsonaro foi objeto de críticas em diferentes textos publicados na imprensa. Indico a leitura do artigo de Eugênia Augusta Gonzaga, Procuradora Regional da República e ex-presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, publicado na segunda-feira, no jornal El Pais, “A crueldade de um presidente da República”: “O seu comportamento nos últimos dias demonstra cabalmente que ele não compreende o caráter republicano do seu cargo, que significa que ele deve governar um país e não para seus eleitores. Ele não assimilou sequer que esse país tem uma Constituição sobre a qual jurou, tem leis e condenações nacionais e internacionais que ele deve cumprir”. Outro bom texto é o de Vera Iaconelli, publicado na Folha, na terça, com o título “‘Sincericídio’ bolsonarista”: “A perversidade está em apresentar aquilo que é interditado como sendo uma virtude, o sadismo que nos habita como sinal de coragem e valor. A perversidade, contra a qual lutamos em nós mesmos, foi alçada à política de Estado”. Em texto publicado na Folha neste domingo, “Inspirações para Bolsonaro”, Janio de Freitas, destaca: “A transgressão de Bolsonaro, dirigida também à Presidência, é, por si só, suficiente para tornar imoral a sua continuidade no cargo. No mínimo”.

* Radicalização do discurso e rebaixamento do debate público: Dois bons textos publicados ao longo da semana analisam as consequências da radicalização da retórica e do rebaixamento do debate público representados pela extrema-direita e o bolsonarismo. Em artigo publicado sábado no jornal O Globo Daniel Aarão Reis analisa o contexto norte-americano de Trump, mas também se refere ao Brasil de Bolsonaro: “As afrontas e os vitupérios rebaixam e envenenam o debate, amesquinham a troca de ideias, personalizam as discussões. Já mal se discutem as perspectivas — rasas — do agressor, mas sua personalidade, suas idiossincrasias, as circunstâncias pessoais, os parentes próximos”. Em texto publicado neste domingo na Folha, Jorge Coli aponta para a consolidação de um discurso de afronta aos valores iluministas: “Em tempos de extremismo como os de agora, o cala-a-boca é o argumento mais frequente. O que importa não é debater, mas abafar o outro. (…). Nestes tempos obscuros, mais do que nunca necessitamos das luzes trazidas pela razão”

* Mudança de presídio de Lula: um fato importante que marcou a semana foi a tentativa frustrada de transferência de Lula para a penitenciária de Tremembé, que acabou sendo vetada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), inclusive com o apoio de setores da oposição ao ex-presidente, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Em artigo publicado na quinta-feira, no jornal O Globo, intitulado “Operação Tremembé”, Bernardo Mello Franco destacou: “Não é preciso simpatizar com Lula para sentir cheiro de vingança na tentativa de transferi-lo para um presídio no interior de São Paulo”. Bruno Boghossian, na Folha, em artigo publicado na quinta, destacou a resposta institucional do STF e o quanto a tentativa de transferência apenas serviu para aumentar a tensão política no país: “O STF pôs de pé uma resposta institucional. A imagem de Moro se deteriorou um pouco mais, tanto no tribunal quanto no Congresso. De outro lado, os apoiadores do ex-juiz e de Bolsonaro tomam fôlego para atacar essa aliança. O fosso aumenta”.

* “Vaza-Jato”, enfraquecimento de Moro: a semana ainda testemunhou a publicação de artigos que buscaram refletir sobre os desdobramentos dos vazamentos das conversas do então juiz Sergio Moro com procuradores da Lava-Jato. Em texto publicado na quarta-feira, na revista Época, Rogerio Arantes fez uma reflexão importante que vale a leitura: “Nesse cipoal desordenado em que se converteu a atividade de investigação no Brasil, bem faria o Congresso se ressuscitasse a PEC37, não a original, mas a escondida nos escaninhos do parlamento, a fim de regular a questão, antes que a sociedade seja incapaz de distinguir organizações criminosas de órgãos oficiais de fiscalização e controle”. Dois outros textos buscaram analisar de que maneira as revelações da “Vaza-Jato” contribuíram para intensificar as disputas dentro do governo entre Sergio Moro e Jair Bolsonaro. Maria Cristina Fernandes, em artigo publicado no Valor, de quinta-feira, intiulado “Estelionato eleitoral”, chamou a atenção para as ações de Bolsonaro para “desidratar” Sergio Moro: “Moro já desonrou a toga que inspirou a esperança de milhões de brasileiros, mas para o bolsonarismo mais recalcitrante, ainda é o maior símbolo anticorrupção do país. Mantê-lo no governo, devidamente podado, é a maneira mais segura de proteger sua família e a si, da sanha justiceira do ministro que lhe serviu de carona ao Planalto”. Thais Bilenki, no blog da Revista Piauí, destacou de que maneira deputados do centro e da oposição têm também buscado jogar lenha na fogueira para o enfraquecimento das relações entre Bolsonaro e Moro: “Ao identificar os sinais de descontentamento de Bolsonaro com o ministro da Justiça, deputados da oposição e do centro comemoram e, no que estiver ao alcance deles, investirão no descolamento dos dois”.

* Outras sugestões de artigos interessantes publicados na semana:

–  Artigo de Leo Aversa, no jornal O Globo, de sexta, sobre a classe média brasileira: “A classe média no primeiro mundo”: “Deve ter alguma coisa que altera os neurônios da classe média ao passar pela linha do Equador. Talvez, a combinação do ar pressurizado do avião com a eterna vontade de se enturmar no primeiro mundo, talvez um curto-circuito cognitivo pela inversão do firmamento e das estações. Só sei que a pessoa sai daqui como um alienado sem noção e lá se transforma num cidadão modelo, todo trabalhado no consumo consciente, na cultura e na sustentabilidade, e, claro, dando bom-dia até para poste”.

– Artigo de Celso Amorim publicado na Folha, de segunda-feira em resposta a texto de Fabio Zanini, que buscou equiparar as diplomacias dos governos do PT e de Bolsonaro: “A única estratégia do governo Bolsonaro em política internacional é a submissão total aos EUA”.

– Artigo de Guilherme Boulos, na Folha, na quinta, “A renovação da esquerda”

– Dois artigos interessantes sobre a Amazônia publicados no El Pais: de Eliane Brum, “A Amazônia é o centro do mundo” e de Debora Diniz e Giselle Carino, “A Amazônia irá salvar os direitos humanos”?

– Artigo de Philip Yang, Marisa Moreira Salles e Tomas Alvim publicado na quinta, no Estadão, “Luta por moradia: por que criminalizar a cidadania?”: “Os movimentos de moradia sérios são os únicos grupos sociais no Brasil que lograram estabelecer uma metodologia consistente de gestão de edifícios abandonados e de comunidades interessadas no seu uso. Descartar esse conhecimento pela via da perseguição ou da criminalização de todos os movimentos, indiscriminadamente, seria um grande retrocesso”.

– Artigo de José de Souza Martins, no Valor, publicado na sexta-feira, “Nossa noite fria”, sobre as condições precárias dos moradores de rua: “A noite das ruas e praças dos miseráveis de nossas cidades é a noite de um imenso funeral. O funeral da civilidade, da justiça, do direito e, não percebem os que lucram com tudo isso e não sabem, do próprio capitalismo especulativo que nos domina sem capitalismo ser. Em suma, o funeral do capitalismo rentista, do lucro sem princípios. O funeral do liberalismo de botequim, o da liberdade de criar a miséria alheia e a degradação da vida do outro. O funeral da esperança e o funeral da pátria. O funeral do Brasil possível”

* Indicação de leitura política da semana: Forças Armadas e política no Brasil, de José Murilo de Carvalho (Editora Todavia, 2019).

Cultura

* Faleceu na segunda-feira desta semana a escritora norte-americana Tony Morrison, autora, entre outros, de O olho mais azul, Amada e Jazz. Morrison recebeu o Prêmio Nobel em 1993, tornando-se a primeira escritora negra a ser laureada. O site da revista Serrote, publicou o artigo “Racismo e fascismo”, de Toni Morrison, originalmente publicado na edição da revista Serrote, n.32, que vale muito a leitura: “Quando nossos medos forem todos transformados em episódios de uma série, nossa criatividade censurada, nossas ideias levadas ao mercado, nossos direitos vendidos, nossa inteligência reduzida a palavras de ordem, nossa força exaurida, nossa privacidade leiloada; quando a vida estiver completamente transformada em encenação, em entretenimento, em comércio, então vamos nos encontrar vivendo não numa nação, mas num consórcio de indústrias em que seremos totalmente ininteligíveis uns para os outros, exceto pelo que conseguirmos ver através de uma tela escura”.

– Sobre Toni Morrison, indico a leitura dos artigos de Djamila Ribeiro e de Camila Von Holdefer, publicados na terça, na Folha.

* Indicação cultural da semana: indico a série de quatro vídeos, produzida Arthur Nestrovski, diretor artístico da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, na qual ele analisa, ao violão, o legado de João Gilberto, o inventor da bossa nova. A série se chama “Por que João Gilberto é João Gilberto” e foi divulgado no site da revista Piauí.

* Fernando Perlatto é um dos editores da Revista Escuta.