Célia Arribas*

Em recente fala no 34º Congresso Estadual Espírita de Goiás de 2018, o médium e orador Divaldo Pereira Franco, figura bastante conhecida no meio espírita, mas também fora dele, por sua obra mediúnica e assistencial, atraiu a atenção com uma fala de pouco mais de sete minutos. Ao ser interpelado por um jovem sobre a famigerada “ideologia de gênero”, asseverou – em tom de autoridade espírita – tratar-se de um “momento de alucinação psicológica da sociedade”. E foi além. Divaldo referiu-se ao suposto “presidente” da “República de Curitiba”, o juiz federal de primeiro grau Sérgio Moro, como o bastião da moralidade e da justiça. Palmas e brados foram ouvidos nesse momento, e isso nos diz muito sobre o reconhecimento que o médium baiano tem ante a comunidade espírita.

O movimento espírita está longe da unanimidade já desde suas origens, quando se definiu ao mesmo tempo como ciência, filosofia e religião, causando desde então vários celeumas. Não por acaso, desde que o espiritismo aportou em solo brasileiro, em meados do século XIX, os espíritas clamam e pelejam por sua unificação teórica, prática e institucional – sem grandes sucessos, vale dizer. Os espíritas, como quaisquer agentes sociais, existem num meio social, são produtos de processos de socialização e reproduzem esses processos; seus conhecimentos foram adquiridos socialmente, precisam de amparo social e são consequentemente vulneráveis às pressões sociais. A doutrina espírita é aquilo que os homens e mulheres fazem dela, portanto. Delimitar as posições e as divergências tem sido importante nesse sentido, tanto mais porque, diferentemente do catolicismo, por exemplo, no espiritismo não há uma cúpula responsável e legítima para ditar o que é ou não espiritismo. Aliás, médiuns, trabalhadores, intelectuais e oradores não detêm autoridade inquestionável para falar em nome do espiritismo, nem mesmo instituições federativas, o que cria uma série de grupos e de posições, todas elas perfeitamente adjetivadas de espíritas, e que não raras vezes conflitam entre si. De sorte que declarações como as que foram feitas por Divaldo representam e não representam o espiritismo.

Se olharmos do ponto de vista espírita, de acordo com o método proposto por seu fundador, Allan Kardec – que parte de uma premissa fundamental segundo a qual “fé inabalável só é a que pode encarar a razão, face a face, em todas as épocas da humanidade” –, os critérios para manifestar posições e ideias, de influência marcadamente iluminista e com certo ranço positivista, têm que necessariamente dialogar com a ciência de seu tempo, usar argumentos racionais e adotar posturas que estejam de acordo com os princípios basilares da ética espírita, que são principalmente os da liberdade de consciência, amor ao próximo e fraternidade. Na prática, no entanto, o critério de verdade, para os espíritas contemporâneos, vem se ancorando cada vez menos nos dispositivos do método (ainda que o recurso aos conhecimentos científicos seja praxe nesse meio, embora não sem antes contar com críticas quanto ao tipo de uso e de apropriação que parte dos espíritas faz da ciência), e cada vez mais em torno de líderes carismáticos e lideranças institucionais. É nesse sentido que a fala de Divaldo encontra eco, expressando o argumento de autoridade do “grande médium e orador”, ao mesmo tempo em que conforma a tacanhez conservadora de parte considerável dos espíritas.

Ao utilizar, em sua fala, o termo “ideologia de gênero” como um substrato do “marxismo cultural” e algo que expressa “uma alucinação psicológica” engendrada pelo MEC e pelos últimos anos de governo encabeçados pelo PT, Divaldo Pereira Franco expressa uma posição política compartilhada por parcela significativa do movimento espírita, que assume uma postura claramente partidária, contrária ao PT, que infelizmente não entende absolutamente nada do que seja o marxismo, muito menos da atuação do MEC, tampouco é capaz de fazer uma análise razoável de conjuntura política e de colocar o governo petista, para o bem e para o mal, no seu devido lugar histórico. O que ele faz é reforçar uma visão conservadora e reacionária que vem constrangendo sobremodo intelectuais, professores e educadores com ações de amordaçamento intelectual e crítico. Os atos e interferências negativas de bancadas fundamentalistas e de movimentos como “Escola sem Partido” em temas ligados às lutas pelos direitos sexuais e reprodutivos, pelos direitos das mulheres e de grupos vulneráveis e minoritários – étnicos, culturais, comportamentais e religiosos – estão aí para dar o tom desse tipo de conservadorismo. É na gramática tacanha do reacionarismo brasileiro contemporâneo que o termo “ideologia de gênero” vem se popularizando, comprometendo princípios de civilidade, de tolerância e de respeito à pluralidade e à diversidade.

O espiritismo, que poderia ser, pelos seus princípios, protagonista na promoção da igualdade, da fraternidade e da justiça social, se limitou, por conta de uma visão paralisante, confortável e conformista de mundo, que está na origem social dos espíritas – provenientes em sua grande maioria da classe média branca, escolarizada e heterossexual –, a uma explicação reencarnacionista da meritocracia, das desigualdades sociais (se há miseráveis e vulneráveis no mundo, eles e elas nada mais fazem do que “pagar” por seus erros de vidas passadas) e da salvação pela caridade material pontual, de cunho assistencialista, em plena conformidade, portanto, com o pensamento conservador e reacionário.

Liberdade certamente Divaldo tem para expressar suas convicções – e ele poderia ter deixado claro que se tratava de opiniões pessoais, o que ele não fez –, mas daí falar em nome do espiritismo foi a gota que fez transbordar o pote, revelando mais uma vez as divergências e contradições do movimento espírita.

Se algo positivo pode ser extraído das declarações de Divaldo foi o fato de convocar, de forma relativamente nova e inusitada no meio espírita, os fiéis da fé kardecista ao exercício cívico, tão oportuno quanto necessário nesse momento temeroso que estamos vivendo no Brasil. Manifestaram-se prontamente em blogs, sites e redes sociais os espíritas progressistas, mostrando a outra face da moeda. E aqui, também eu, não vou me eximir de posicionar-me deste lado da contenda, tanto por dever cívico quanto por dever de fé.

Alguns dos meus amigos, colegas de trabalho e alunos sabem que sou espírita, e até poderia concordar com Divaldo quando ao falar de um “momento de alucinação psicológica da sociedade” estivesse se referindo ao movimento conservador que vem assolando o nosso país. A falta de habilidade ou vontade em reconhecer e respeitar diferenças em crenças e opiniões vai de encontro aos princípios cristãos e democráticos, afronta que mais parece alucinação mesmo.

O apego à confortável situação social e econômica da classe média branca espírita apaga, com frequência, da consciência o senso da responsabilidade social e espiritual. Nem mesmo a crença na reencarnação consegue arrancar o homem e a mulher atual da embriaguez do presente, calcado em uma situação socioeconômica cômoda de boa parte dos espíritas. Busca-se através da caridade material, aplicando grandes doações a creches, hospitais e orfanatos, a salvação para uma situação melhor depois da morte. A maioria dos espíritas está sempre disposta a investir em obras assistenciais, mas revela o maior desinteresse pelas obras sociais, políticas e culturais. Garantem os juros da caridade no após-morte, mas contraem pesadas dívidas no tocante à divulgação, sustentação e defesa de princípios fundamentais da renovação social.

Muitos espíritas têm aversão ao debate político, como se não se tratasse do destino de suas próprias vidas. Dizem que Kardec, lá no século XIX, teria instruído os espíritas para que não se envolvessem em disputas político-partidárias em nome do espiritismo. Na verdade, Kardec não rejeitou de todo a ideia, uma vez que entendia que a concepção de partido nem sempre está relacionada com luta e divisão, podendo ser entendida como força de uma opinião que merece ser examinada. De todo modo, o que parecia estar claro a Kardec é que o espiritismo tem totais condições e capacidade de emitir pontos de vista respeitáveis quanto aos fatos que interferem na vida humana, sobretudo na vida pública. Mesmo que a grande maioria dos espíritas de hoje não discuta mais a questão da criação de um partido político – e isso já foi uma realidade nos idos de 1930 –, posicionar-se diante do e agir neste mundo, carregado de desigualdades, injustiças e intolerância, não deixa de ser um dever da fé espírita.

Mas assim como a política, a economia, a imprensa, as instituições, a educação, a cultura ficam ao deus-dará. Falta uma tomada de consciência, particularmente no meio espírita, da responsabilidade de todos e todas na construção e na elaboração do que os próprios espíritas acreditam: um mundo estruturalmente novo de regeneração. Isso é trabalho de homens e mulheres aqui neste mundo, de todos e todas nós, agentes históricos e sociais. Poucos no meio espírita, mas também fora dele, compreendem que sem uma reestruturação cultural elevada, sem estudos aprofundados, sobretudo no tocante às variáveis estruturantes da nossa sociedade – entre elas a questão de gênero, de sexualidade, racial e de classe, e nesse sentido os conhecimentos produzidos nas Ciências Sociais poderiam auxiliar sobremodo –, o espiritismo não vai passar de uma seita religiosa de fundo egoísta, buscando a salvação pessoal de seus adeptos e adeptas.

E por falar em Ciências Sociais, é sempre bom lembrar que a categoria analítica “gênero” – hoje corrente em páginas de jornais e textos que orientam as políticas públicas – nasceu, em meados da década de 1960, de um diálogo entre o movimento feminista e suas teóricas, e as pesquisadoras em História, Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Demografia, entre outras áreas do conhecimento. As culturas criam padrões associados aos corpos, que se distinguem por seu aparato genital e pela capacidade de gerar outros seres. Importava insistir na qualidade fundamentalmente social dessas distinções e, nesse sentido, a categoria “gênero” indicava uma rejeição ao determinismo biológico implícito no uso dos termos como “sexo” ou “diferença sexual”, justamente como forma de diferenciar o sexo biológico daquilo que seriam os papéis sociais de homens e mulheres, do que constitui a feminilidade e a masculinidade, e como construímos e vivenciamos o desejo e a orientação sexual em distintas épocas e localidades. Vale salientar que sexualidade não diz respeito necessariamente a uma orientação sexual fixa e que, dessa forma, práticas eróticas/sexuais podem envolver diferentes parceiros conforme a orientação do desejo, para além das classificações rígidas.

Com o aprofundamento dos estudos de gênero, foi ficando cada vez mais evidente que a posição ocupada na sociedade pelos homens e pelas mulheres não são apenas diferentes, mas também desiguais; e que essa desigualdade social entre homens e mulheres resulta, principalmente, da organização da sociedade e não de diferenças biológicas ou psicológicas significativas entre os mesmos. Isso significa dizer que os estudos em função do gênero supõem, mas também demonstram, que as mulheres têm menos recursos materiais, status social, poder e oportunidades de auto-realização, acumulam dupla ou tripla jornada de trabalho, carregam todos os ônus da criação das crianças, e são muito mais vulneráveis aos variados tipos de violência – física, psicológica, patrimonial, sexual, simbólica – do que os homens com quem partilham a mesma posição social. Não se pode tratar com leviandade o fato de uma mulher ser assassinada a cada duas horas no Brasil. E nessa estrutura desigual, não menos vulneráveis e desprivilegiados, do ponto de vista dos direitos, mas também do acesso aos bens econômicos, sociais e culturais, são os gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. As formas de relações afetivas que vão além da concepção de família tradicional, nuclear, burguesa e heterossexual, correm riscos e violências as mais diversas. Não é nenhuma novidade que o Brasil é um dos países que mais mata LGBTs. A média de mortes ligadas à homofobia passou de um assassinato por dia em 2017, de acordo com o levantamento realizado pela ONG Grupo Gay da Bahia (GGB), e estima-se que esse número seja maior, dado os inúmeros casos não reportados. Ignorar essa realidade e suas condições ao dizer que se trata de “ideologia de gênero”, substrato do “marxismo cultural”, não me parece uma posição em conformidade com os princípios espíritas cristãos, os mesmos que afirmam que “as almas ou Espíritos não têm sexo. (…) As afeições que as une nada têm de carnal, e, por isto mesmo, são mais duráveis, porque são fundadas sobre uma simpatia real, e não são subordinadas às vicissitudes da matéria”. Em outras palavras, “estar” homem ou mulher na presente encarnação não implica necessariamente orientar seu desejo para o sexo oposto, tampouco deveria implicar em posições desigualmente ocupadas.

Felizmente, a finalidade do espiritismo, para uma outra parcela de seguidores de Allan Kardec, não é a salvação individual, mas a transformação total do mundo, num vasto processo de redenção coletiva, já que somos todas e todos artesãs/ãos, artistas, operárias/os, construtoras/es do mundo, desse mesmo em que, segundo a doutrina espírita, iremos reencarnar novamente – o ontem, o hoje e o amanhã se entrelaçam. Mas é claro que homens e mulheres espíritas, seres sociais, criados socialmente e necessitados de amparo social, são igualmente orientados por valores e critérios outros que vão além da ética espírita. Expressão dos conflitos próprios da modernidade, cindida em suas mais variadas esferas de valor que estão permanentemente em forte tensão. E o reacionarismo, dito cristão, está aí a nos acenar com suas contradições.

Pieguice religiosa espírita, caridade interesseira, falações emotivas e palestras sem fim sobre a fraternidade impossível no meio de lobos vestidos de ovelhas só contribuem para o status quo, como diria o velho Marx. E olha que falar em Marx no meio espírita atual é como se invocássemos as forças mais tenebrosas do umbral e das trevas. Como se dias e noites de pesquisa, de perquirição mental, de análise rigorosa, de cortes impiedosos, com as mãos de cirurgião, no corpo doente de uma sociedade ímpia fossem atos dignos de seres trevosos e não uma tentativa sensata e justa para com o próximo – muitos diriam uma tentativa cristã, mesmo à revelia de Marx e de boa parte dos marxistas –, de perscrutar as profundezas das injustas estruturas sociais que nos constituem enquanto indivíduos e que nos levam às mais variadas formas de opressão, alienação e exploração. Nas páginas de sua vasta obra leem-se frequentes clamores contra as iniquidades do Templo do capital, armado para assolar os mais fracos, os despossuídos, os vulneráveis e todos aqueles que não compactuam com seus valores, desiguais já desde sua raiz. Um profeta extemporâneo, porém pouquíssimo lido e compreendido entre os espíritas, quando não severamente hostilizado.

No limite, se fosse para sermos verdadeiramente radicais, como Cristo e Marx, defenderíamos a igualdade não pelo viés da defesa da democracia, essa que está calcada nos princípios liberais burgueses que há muito já nos mostraram que enquanto a igualdade econômica e social não existir, também a igualdade política será uma farsa e, portanto, fadada ao fracasso. Defenderíamos, se fôssemos à raiz da questão, uma forma outra de governo e de distribuição do poder, que também seria de outra natureza, cujos fundamentos não dissociariam o pensamento da ação. O próximo, ou seja, qualquer ser humano, teria o igual valor, e em consonância com esta forma de encarar o mundo decorreriam as nossas ações neste mundo – para além de qualquer expectativa de existência do lado de lá. Parece – ou querem fazer parecer – impossível de assim o conseguirmos.

Então, estamos nós aqui, estarrecidos com nossa situação política, social e econômica, ouvindo, vendo e lendo impropérios dos mais variados, principalmente de seres que se arrogam cristãos; estamos aqui defendendo princípios de equidade, tolerância, respeito à diversidade e à pluralidade que essa imperfeita forma de conceber a democracia nos possibilita minimamente. Quem assim pensa vem encontrando fortes resistências, sobretudo por parte de partidários de discursos autoritários, frontalmente contrários aos ensinamentos cristãos e democráticos.

Parece-me incoerente, para não dizer injusto, tanto do ponto de vista espírita quanto do ponto de vista democrático e da civilidade, tratar as questões de gênero e sexualidade com tamanha leviandade. “Imoralidade ímpar”, como disse Divaldo, ou ainda “aberração” – mesmo adjetivo para definir o aborto –, ou “cartilhas depravadas” que estariam sendo formuladas pelos próprios governo nas escolas, carecem de um senso crítico e de conhecimentos mais aprofundados. Já que um dos critérios de verdade entre os espíritas é levar em consideração os conhecimentos científicos de cada época, por que abrir mão dos estudos avançados das Ciências Sociais no tocante à questão de gênero? Ou dos estudos que trabalham com outras variáveis igualmente importantes como raça e classe? Se as diferenças entre mulheres e homens – só para ficar nesse binarismo – são socialmente instituídas e não predeterminadas, uma parte significativa dos estudos no domínio das relações sociais de gênero supõe que a diferenciação de comportamentos e de traços de personalidade consoante o gênero resulta de expectativas socialmente incutidas nos indivíduos desde a infância, pelas quais as crianças são socializadas no sentido de desempenharem diferentes papéis, “femininos” ou “masculinos”. As noções aprendidas na infância do que é considerado pertinente ao feminino e ao masculino acirram-se e consolidam-se na adolescência. Isso porque a sociabilidade infantil permite ainda certa convivência de meninos e meninas em diferentes atividades coletivas. Já na adolescência, o fato de haver o aprendizado da aproximação ao sexo oposto, mediado por diferentes formas de relacionamento afetivo-sexual, torna os domínios femininos e masculinos ainda mais nítidos, com limites bem definidos entre si. Basicamente, trata-se de investigar como é que, ao nível das interações entre os indivíduos, são construídas e recriadas de um modo permanente as dicotomias entre a mulher e o homem, modelo que vem nos mostrando seus inúmeros fracassos e que, por isso mesmo, deveria ser trabalhado desde os primeiros anos de socialização do ser.

Ser homem, ser mulher, ser negro, negra, indígena, ser rico, pobre, escolarizado, heterossexual, lésbica, bissexual, do campo ou da cidade etc. são todas formas de classificação que interagem simultaneamente no mundo social, fazendo com que certos entrecruzamentos sejam objeto de um tratamento menos igualitário, mais desigual do que outros. E apesar de os homens brancos, da classe média e heterossexuais serem em sua grande maioria os grandes beneficiários ou privilegiados por desigualdades de gênero, não se pode ignorar que eles também carregam um pesado fardo ligado aos atributos da masculinidade dominante: autossuficiência, invencibilidade, agressividade, virilidade, violência, brutalidade, não manifestação dos sentimentos, proibição do choro e de demonstrações de fraquezas de todas as ordens – certamente formas nada cristãs de ser, de estar, de sentir e de agir nesse mundo. Enfatizar esses elementos, entretanto, não pressupõe que os homens sejam tão vítimas da desigualdade de gênero quanto as mulheres. Contudo, indica que a construção de uma maior igualdade de gênero depende não apenas de uma tomada de consciência em relação à opressão feminina, mas também de uma reflexão sobre o lugar e o papel dos homens nesse processo.

A Sociologia, só para ficar em apenas uma das Ciência Sociais, e não por acaso a que me sinto mais confortável em acionar, mostra a necessidade de assumir uma visão mais ampla sobre por que somos o que somos e por que agimos como agimos. Ensina-nos que aquilo que encaramos como natural, inevitável, bom ou verdadeiro, pode não ser bem assim e que os “dados” de nossa vida são fortemente influenciados por forças históricas e sociais. Entender os modos sutis, porém complexos e profundos, pelos quais nossas vidas individuais refletem os contextos de nossa experiência social é fundamental para o modo de se pensar sociologicamente o mundo.

Sim, os espiritismos são muitos e não deixam de reproduzir em seu seio as mesmas contradições e as mesmas disputas políticas da sociedade. O momento é de reflexão, sem dúvida, mas sobretudo de luta contra as diferentes iniquidades que nos assolam. Acreditando-se ou não na reencarnação, é o hoje que nos importa mudar, porque é o hoje que nos está mostrando quão machista, racista, homofóbica e classista, portanto, desigual e injusta, é a nossa sociedade – realidade incompatível para uma vida verdadeiramente democrática e cristã.

 

*Célia Arribas é Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), Professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e colaboradora da Escuta.